quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Neutrinos mais rápidos do que a luz?

No site do Estadão hoje, saiu mais uma daquelas matérias "bombásticas" sobre Física:

Cientistas dizem ter encontrado partícula que se move mais rápido que a luz

É de chamar a atenção já que a Teoria da Relatividade de Einstein estipula que nada pode viajar mais rápido do que a luz. Violações desse princípio poderiam, em tese, permitir que coisas estranhas como inversão de causalidade (=efeito precede a causa) ocorram.

A matéria do Estadão, como outras do gênero, traz explicações pouco inteligíveis e frases que não fazem sentido, tais como "medidas (...) do LHC mostraram neutrinos se movendo 60 nanosegundos mais rápido que a luz". Basta saber um pouquinho de Física para perceber que "nanosegundo" não é uma unidade de velocidade...

Fiquei curioso e fui procurar de onde saiu isso. Achei uma notícia no site da Science, muito mais bem escrita. A história é a seguinte: são dados extraídos de um detetor subterrâneo de neutrinos na Itália (OPERA), projetado para detectar neutrinos gerados no CERN e que viajam essencialmente em linha reta através da Terra. Os neutrinos interagem fracamente com a matéria (apenas via a interação fraca, sem trocadilho) e literalmente atravessam a tudo e a todos, praticamente sem deflexão. Para detectá-los, são necessários enormes tanques de água, geralmente localizados no interior de uma montanha ou no subsolo.

Os tais "60 nanosegundos" são a diferença entre o "tempo de voo" dos neutrinos entre o Cern e o detector se eles estivessem à velocidade da luz (o esperado) e o tempo de voo medido, obtido sabendo-se, com precisão suficiente, os instantes de emissão no Cern na Suíça e de deteção na Itália.

Experimentos assim são muito delicados e a Science entrevistou um especialista que duvida que o erro de medida do tempo de voo (baseado em sinais de GPS) seja menor do que dezenas de nanosegundos. Ele diz que "apostaria" que o resultado é fruto de um erro sistemático. E diz mais:

"I wouldn't bet my wife and kids because they'd get mad," he says. "But I'd bet my house."

("Eu não apostaria minha esposa e filhos porque eles ficariam bravos," diz. "Mas apostaria a minha casa").

E a reportagem da Science termina com uma velha máxima, bastante verdadeira:

Extraordinary claims require extraordinary evidence.

Em outras palavras, pé atrás com notícias "bombásticas".

Update: Saiu também na Folha. Ainda bombástico, mas pelo menos eles mencionam a distância ao falar dos "60 nanosegundos".

Update 2: Pedro Cunha de Holanda, especialista no assunto e amigo dos tempos de Unicamp, indicou um artigo da colaboração MINOS que, já em 2007, relatava dados de velocidades acima da luz para neutrinos. Pode ter coelho nesse mato.

Update 3: Artigo do site da Nature sobre o assunto (via Pedro). Bastante completo. Menciona o experimento da MINOS.

Update 4: Interessante post de Doug Natelson no Nanoscale Views sobre o assunto. O argumento é que a divulgação dos resultados em busca de validação por outros grupos é "boa ciência", mesmo com a possibilidade de um erro vir a ser encontrado posteriormente.

Concordo em parte: há várias coisas que motivam a publicação de um resultado com tamanhas potenciais implicações e o desejo de fazer "boa ciência" é apenas uma delas.

Update 5: Jon Butterworth faz uma análise interessante e cuidadosa do artigo e das possíveis fontes de erro sistemático na medida do tempo de voo. O comentário sobre os dados em um dos gráficos centrais do paper é bastante instrutiva. Via Not Even Wrong.

Update 6: Um post bem didático e bastante detalhado no blog A Física se Move (em português).

Update 7: De fato, foi encontrado um erro no experimento e a OPERA corrigiu o paper. A Relatividade está salva. Vide o post sobre o assunto no blog do Matt Strassler.

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